quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A ORAÇÃO


A Oração provém do latim oratio, orationis, quer dizer, súplica, reza, discurso. A súplica nos deixa humilíssimos e indefesos, despojados de qualquer malícia, a reza nos torna íntimos e confidentes através das palavras expressas ou meditadas, desse modo somos levados pelo Paráclito a esta abertura com Deus, momento de intensa aproximação, confissão e petições na transcendência espiritual que invade o tempo que se eterniza e o espaço que se esvai na dimensão que a fé proporciona.
A Oração é uma tradição antiquíssima, desde as eras primigênias. A religião foi a primeira instituição humana, os homens ofertavam aos deuses, primícias e sacrifícios como oferta ou proteção. Até hoje, mantemos esta dimensão espiritual que nos conduz ao mistério divino.
Na tradição do cristianismo, a sagrada Escritura é fertilíssima nos episódios neo-testamentários, nos quais o Cristo nos ensinou e testemunhou o ato indivisível da Oração na nossa vida pessoal e eclesial. Inúmeras vezes, disse Ele: orai, rogai, pedí em meu nome, insistindo sempre na prática da oração que deve ser humilde, penitente e vigilante, a fim de que possamos perseverar confiantes na bondade do Pai. Do mesmo modo, os apóstolos em suas cartas nos transmitiram este zêlo e cultivo pela Oração com assiduidade e insistência enquanto função santificadora, regeneradora e transformadora para si e para todos.
O que somos e o que temos, nos é dado pela ação da providência mediante as faculdades que nos assistem e nos proporcionam de agir, tentar, conquistar e assumir o que somos e o que fazemos. Essa transcendência e aproximação com o Criador fortalece mediante a Oração o nosso espírito, as nossas determinações e os nossos objetivos.
O Cristo Jesus vincula-se naturalmente na dimensão oracionante, pois por meio D'Ele nos tornamos herdeiros do Reino, assim incorporando em si toda a humanidade, alcançamos a salvação, que não é palavra vaga e desprovida de sentido, mas o alcance definitivo legado pela irmã morte que nos alcança inexorável e nos superdimensiona para além da esfera terrena, aonde a plenitude oraciante se manifesta totalizante.
Podemos assim estreitar nossa relação com o divino, pois participamos da sua Graça pela ação do Espírito Santo na mímese transcendente que nos confere ser parte de sua dimensão espiritual. Neste sentido, pessoal e comunitário realizamos a composição místico-corporal do Cristo, sendo um só em Deus. "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles" (Mt, 18,20).
A unidade da Oração, portanto, tem seu fundamento e extensão nesta participação do Unigênito para com o Pai e do Pai para conosco mediante a ação do Paráclito, que é partícipe do Pai e do Filho e com o Pai e o Filho formam um Só. Este mesmo "Espírito vem em socorro a nossa fraqueza" e "intercede em nosso favor com gemidos inefáveis" (Rom 8,26) e com o Espírito do Filho, Ele infunde em nós "o espírito de adoção filial, no qual clamamos Abba, Pai" (Rom 8,15). Esta filiação nos enlaça inexoravelmente na plena intimidade com Deus e proporciona o louvor como cântico de adoração, gratidão e oferta que elevamos ao pronunciar contritos e fervorosos, "Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...".
Ao nos renovarmos e fortalecermos pela Oração, nos tornamos firmes e perseverantes em nossa fé e vivificantes no testemunho da Palavra de Deus, para anunciar com alegria e prazer a bem-aventurança da qual somos devedores e partícipes, pois ao Pai pertencemos e a Ele retornaremos.

Pe. Sergio Nunes, ICAB

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SER CRISTÃO


Mais que nunca, estamos debatendo continuamente através das mídias, das redes sociais, dos blogs, das instituições, das escolas e das conversas informais, a mudança do homem, mormente do brasileiro, da sociedade brasileira, da cultura brasileira.
Como mudar este homem? Como alterar seu paradigma ético, sem que seja subtraída sua liberdade de escolha? Como mudar este homem para que se torne verdadeiramente um homem novo?
A mensagem de Jesus Cristo tem esse alvo, a convivência social e familiar está coligada inexoravelmente, pois ela fala exatamente sobre esse homem inserido na sua atividade social e pessoal, pois requer a assimilação da Mensagem Evangélica como pressuposto da ação ética no meio social.
Precisamos considerar que a Mensagem Evangélica nos apresenta um Cristo destemido, radical, contestador e revolucionário. Entretanto sua Mensagem não denota um Cristo político partidário, mas um Cristo cuja mensagem é política, porque visa a mudança de estruturas, de hábitos, de comportamento, portanto uma mudança na eticidade de toda pessoa humana. A Mensagem que Ele nos apresenta é o anúncio do Reino de Deus, que a tudo transmuda. Livre de todo o mal e na busca incessante do bem comum. Portanto, não pode ser um programa de ação estritamente político-partidário, mas de efetiva transformação cultural, de valores éticos e de consciência crítica.
Ao questionar o sistema político-religioso de sua época, o Cristo voltava-se para o homem, e neste sentido sua Mensagem tem uma dimensão política que visa sobretudo a mudança radical de todo homem e do homem todo. Desse modo as implicações políticas de sua Mensagem são radicalmente transformadoras, porque subtrai o velho homem por meio de uma nova forma de ver o mundo, uma nova cosmovisão que tem como base o Reino, que nada mais é que superação contínua de nossas dificuldades e misérias em vista do Bem, do respeito, da dignidade, da caridade e da justiça.
A denúncia das situações opressivas, seja na família quanto na sociedade, é a condição da vocação profética inerente ao caráter cristão. Somos cristãos de fato quando nos incomodamos com as injustiças, com a indignidade, com o desrespeito entre pessoas e com a falta de caridade que exclui, separa e discrimina.
Por isso, a práxis cristã não se reduz à esfera apolítica, privada ou eclesial. Mas muito mais que isso abrange o mundo e a sociedade, as relações de trabalho e interação social, as relações familiares e pessoais. Assim, portanto, a vivência cristã não está isenta de conflitos, pois revela e emerge de contextos diversos e controversos na busca de apaziguamentos e equacionamentos contraditórios, porque visa, sobretudo, o Bem comum.
As conseqüências desta assunção cristã, de sua prática autêntica, fruto da convicção que a fé nos consolida e permite realizar, é a capacidade de responsabilizar-nos pela mudança que se faz premente na sociedade. É a capacidade de ler os sinais que se expressam nas ações humanas e exigem mudanças. É a capacidade de nos indignar diante das injustiças.
No Brasil de hoje, clamamos por honestidade e transparência na coisa pública. Chegamos ao fundo do poço nesse caldeirão de dissolubilidade, emergimos de uma barbárie do individualismo e egoísmo exacerbado, aonde abunda a desmesura da ganância e do furto alheio sobre os bens públicos por todos produzidos.
Não podemos simplesmente clamar por justiça, paz e honestidade na coisa pública, se não tivermos o endosso da prática cristã que nos permite agir corretamente em função do outro através do anúncio e da denúncia que nos foi confiada pelo próprio Cristo.
Ser cristão define nossa prática como autêntico testemunho de fé que nos foi dado pelo Cristo e que vivenciamos na ação benéfica do Paráclito que nos move para o testemunho de sua Palavra, na vivificação de sua Mensagem como sinal visível do prenúncio do seu Reino entre nós. Cabe, portanto, aos cristãos de todos os matizes, de todos os ritos e de todas as igrejas, o compromisso de mudança radical em si mesmo para alcançar o outro como elemento de interrelação subjetiva e assim chegar às instituições eclesiais e civis.
Ser cristão é anunciar a liberdade que alcançamos movidos pela fé em Jesus Cristo através da prática de sua doutrina. É dispor da caridade visando o bem do outro para transformar as normas e práticas viciosas em virtude libertadora.
Pe. Sergio Nunes, ICAB