sábado, 19 de março de 2011

RECONCILIAÇÃO

RECONCILIAÇÃO

Caríssimos Fiéis,

Coube-me esta prédica sumária para falar-vos sobre o tema da RECONCILIAÇÃO, tão bem escolhido por nosso eminentíssimo Dom José de Palmas, como carinhosamente lhe chamo.

Cabe nos perguntar:

Reconciliação para quê? Por quê? E como nos reconciliar? Estas indagações primeiras nos remetem necessariamente a uma essencial: o que é a Reconciliação? Como ela se revela na Sagrada Escritura? Qual o apelo que lhe é intrínseco enquanto exortação divina? Qual o propósito de Deus quando nos convoca à Reconciliação?
Pretendemos discorrer sobre este tema, a medida que respondermos a estas indagações, como elementos de explicitação, clarificação, para apreendermos com nitidez e discernimento, e assim, introjetarmos tal conhecimento para que seja guia em nossas ações no mundo, com os nossos irmãos e especialmente nas nossas ações colegiadas enquanto igreja que se propõe testemunhar a mensagem salvífica do Evangelho do Senhor, que nos mandou para anunciar a toda criatura o seu plano de salvação.
Que a Palavra de Deus seja de fato em nossas mentes e em nossos corações, o testemunho vivo da nossa Reconciliação com Deus, para que assim possamos estar reconciliados consigo mesmo no alcance da reconciliação com o outro.
Só podemos nos reconciliar se entre nós houver alguma ruptura, alguma dissensão, algum interdito em nossa relação, em especial em nossa relação com Deus.
Posto que Deus em sua infinita misericórdia, mediante sua divina providência, selou com o seu povo uma aliança, assim concebida, como trato e norma de mútua aceitação, tanto por Deus quanto pelo homem. Por isso, sinal de fidelidade do homem para com o Pai, porque testemunho de obediência aos seus mandamentos. Firma-se aqui, um elo sagrado, que, se interrompido, causa danos e tensões entre o homem e Deus e, entre os homens entre si. Daí, a fidelidade e a obediência como fatores irredutíveis da unidade eclesial, consumada pela livre e espontânea adesão aos princípios evangélicos e eclesiais, bem como conjugada pela virtude da caridade que propicia mediante a graça, a misericórdia.
Desse modo, então, podemos dizer, que o termo “reconciliação”, pode-se entender como resultado da superação de uma situação anteriormente rompida, por uma nova situação plenamente restabelecida.
O restabelecimento desta situação, somente possível pela ação infinitamente bondosa de Deus que está permanentemente nos exortando à reconciliação, como assim fez com Israel, “para servirmos em justiça e santidade sob seu olhar todos os nossos dias”.
A reconciliação também pressupõe a mediação. Assim como Javé se expressa mediante a intercessão de Abraão em favor de Abimelec e sua casa (Gên. 20,17s.). Se expressa também no Egito, quando o faraó suplica pela intercessão de Moisés por causa das pragas (Êx. 9,27 ss.). Em Isaias cap. 53, temos o justo que carrega a culpa de todos os homens, cujo ato de reconciliação se dá pela intervenção de Javé, posto que o justo é servo de Javé.
Reconciliar, também, é converter-se, porque voltamos atrás, atitude esta que se manifesta no comportamento de cada um de nós, quando verdadeiramente ouvimos a Deus, através da fidelidade a sua Palavra e por conseqüência à obediência às normas livremente assumidas em nosso juramento, porque é um ato de Fé, ao qual nos dispomos enquanto sacerdotes e filhos de Javé, vinculados e agentes de sua Igreja.*
Ainda que nossos atos expiatórios sejam valorizados pela Palavra de Deus e pela tradição eclesial, sem um coração reto, todas as nossas ações são vãs e inúteis (Is. 1). Como condição necessária para a reconciliação, portanto, é o reconhecimento de que pecamos e por isso somos culpados, seja enquanto indivíduo (Davi:2 Sam 12,13), seja enquanto comunidade (1 Sm 7,6), para assim desejarmos a nossa libertação.
Penitenciados pelo arrependimento e o firme propósito de mudarmos de atitude, mudarmos de comportamento, e vivermos plenamente a doutrina, a qual, por livre e espontânea vontade assumimos e nos comprometemos a vivê-la e praticá-la, firmaremos desse modo com Deus, a remissão de nossa culpa e receberemos por suas mãos liberais a reconciliação, primeiramente com Ele e consequentemente com o irmão.
Mas, sempre temos empecilhos a nossa frente, fruto de nossa natureza decaída pelo pecado original, que precisamos insistentemente superá-las e buscar de forma intensa e determinada mediante a graça divina, a reconciliação. No entanto, somos também levados algumas vezes, a recusar a reconciliação (Num 15, 30 ss; 1 Sm 3,14; 2 Rs 24,4; Is 22,14; Jer 5,7; 7,16) e por conta disso, sofremos todas as conseqüências adversas das vicissitudes da vida, pois de Javé nos afastamos e por isso, nos afastamos da comunhão eclesial. Mas, mesmo na recusa emerge o Amor de Javé para com o seu povo, para com cada um de nós, afim de que possamos numa atitude caridosa, como verdadeiros irmãos, superarmos esta condição e chegarmos à Reconciliação.
Discorremos até então sobre o Antigo Testamento. Discorramos agora sobre a Novíssima Aliança, que suplanta em graça e mensagem a antiga, e nos traz a Boa Nova como suplemento extraordinário da Infinita bondade de Deus, isto é, o próprio Filho para a Remissão de nossos pecados. O sacrifício vivo, por nós imolado para a reconciliação de todo o gênero humano.
Na tradição paulina encontramos de modo especial na sua variante antropológica, o tema Reconciliação, como uma constante na exortação do apóstolo as diversas comunidades do cristianismo primigênio, sempre voltado para a “perdição do mundo”, a “divisão entre os cristãos”, da “inimizade surgida entre eles”, da “perdição sob a lei e no pecado”, na “desobediência” (Rom 8,7), e na situação de alienação do homem em relação a Deus (Ef 2,12). Entre tantas outras situações, em cada uma destas, Deus demonstrou o seu grande Amor (Rom 5, 5.8; Ef 2,4), provendo o homem de uma saída desesperada para reconciliar-se mediante a ação benevolente de Deus, porque em Cristo, na morte e ressurreição de Jesus, Deus reconciliou o mundo e os homens consigo e instituiu a paz (Rom 5,1; Ef 2,15; Col 1,20), relevou a inimizade (Rom 5,10; Ef 2,14) e não imputou os pecados, bem como livrou os pecadores de sua ira. A morte de Jesus na cruz propiciou a reconciliação dos homens com Deus, possibilitou-lhes o acesso ao Pai (Ef 2,16), a entrada na graça (Rom 5,2). A humanidade antes dividida entre judeus e gentios, foi reconciliada “num só corpo” (Ef 2,16). Sendo a Reconciliação obra de Deus, por iniciativa soberana e absolutamente livre, Deus não é reconciliado pelo homem pecador, porque os homens recebem a Reconciliação de Deus (Rom 5,10). Deus reconcilia consigo o mundo e, sobretudo os homens (2Cor 5,18; Col1,20.22; Ef 2,16).
Como obra de Deus, a Reconciliação se faz independentemente da disposição do homem, por pura graça para com os pecadores (Rom 5,8) e inimigos (Rom 5,10). A reconciliação enquanto obra de Deus é uma realidade, um estado por Ele criado que precede o fato de os homens se deixarem reconciliar (2 Cor 5,20), de receberem a reconciliação, porque Deus é sumamente Bom. Essa bondade de Deus gera, sem dúvida alguma, exigências éticas imprescindíveis.
A dimensão ética é um pressuposto essencial do ato reconciliatório. Não há de fato reconciliação, se não há a prática real que se opera no dia a dia do fazer a reconciliação, pois somente assim ela se torna sinal visível do testemunho de cada um de nós e de todos nós que aderimos pela fé no Cristo, porque Nele cremos e Nele nos fundamentamos para vivermos e desenvolvermos a Reconciliação. Não nos basta, bater no peito o mea-culpa, não nos basta pedir desculpas ou perdão. É preciso efetivamente que nossos atos expressem nosso firme propósito para a reconciliação.
O amor à verdade será sempre uma virtude essencial, a fim de que possamos perceber melhor o que somos e o que não somos, o que fizemos e o que não fizemos. Nesse sentido a nossa franqueza não ocultará os aspectos negativos de nossas atitudes e comportamentos, mas será de uma honestidade e uma veracidade muito importante. E se a nossa confissão, a nossa tomada de consciência, o reconhecimento e a aceitação de nossa culpa, faz parte essencialmente do ser cristão, é porque somente desse modo seremos verdadeiros e poderemos viver corretamente e, assim, podermos salmodiar a nossa penitência com sinceridade diante de Deus e dos irmãos num gesto perene de reconciliação. Pois só assim, estaremos sendo éticos, porque expressamos em nossas atitudes a “moral da Aliança”: “Sede santos, porque eu sou santo” (Lv 11,45; 19,2). Eis aí o imperativo categórico que se impõe enquanto convocação de filhos de Deus, pois exprime as exigências incondicionais e, num certo sentido, mínimas, para que permaneçamos em comunhão com o nosso Deus.
Na medida em que na Igreja, pelo “serviço da reconciliação”, a mensagem da reconciliação já feita é declarada e oferecida em lugar de Cristo pelos seus servidores, e na medida em que os ouvintes dessa mensagem e os chamados para a reconciliação lhe respondem e se deixam reconciliar, esta “pro-cede”, enquanto ato de ceder, a sua realização no homem. Neste “pro -cesso”, que é o proceder permanente, o homem toma parte e deve contribuir, deixando realizar-se em si a permanente ação reconciliatória de Deus, deixando-se reconciliar com Deus para poder reconciliar-se consigo e, então, reconciliar-se com o irmão. A escuta e o atendimento à reconciliação é uma abertura que nos leva a ação para o apaziguamento e a conciliação, como momento de paz na amizade com Deus.
Por isso, cabe sempre aos presbíteros, a vivência e o cultivo entre si da fraternidade sacramental peculiar à atitude reconciliatória, pois somos enviados a cooperar na mesma obra, exercendo um ministério paroquial ou supraparoquial, seja na administração da diocese, da paróquia ou na transmição e ensino da ciência. Para uma coisa de fato todos devemos contribuir, a saber, para a edificação do Corpo de Cristo, que hoje em dia nos exige múltiplas funções e novas adaptações. Por este motivo é de real importância que todos os presbíteros se ajudem mutuamente, afim de que sejamos de fato cooperadores da verdade. Assim estaremos cada qual ligados irremediavelmente por laços especiais da caridade apostólica, de ministério e fraternidade, manifestando a união, pela qual Cristo quis que os seus se consumassem na unidade, afim de que o mundo conhecesse que o filho fora enviado pelo Pai.
Levados pelo espírito fraterno, não esqueçamos da hospitalidade, da prática de mútua solidariedade e da permanente reconciliação, que deve ser cultivada através do mútuo auxílio, na vida espiritual e intelectual, afim de melhorarmos nossa cooperação no ministério, para nos livrarmos assim de qualquer dissensão e testemunharmos a fraterna caridade e a grandeza de alma entre nós, revelando-nos continuamente como amigos e irmãos.
Decerto que a relevância dada ao próximo, consubstancia-se, no segundo mandamento: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). Em João, o mandamento torna-se apenas um: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,24). Eis a síntese da reconciliação que unifica e fortalece, pois nos dão as condições de nos unir para não nos dispersar em função de benefícios próprios e sorrateiros, como também de nos fortalecer para que unidos sejamos, também, fortes para prosseguir em nossa caminhada eclesial.
A nova comunhão com Deus, propiciada pela reconciliação, é vida nova em Cristo, para Deus. Pelo sangue de Cristo os pecadores são justificados (Rom 5,9), pela sua morte foram reconciliados (Rom 5,10). A obra reconciliatória de Deus se deu através de Cristo, Deus reconciliou consigo o mundo em Cristo e pelo sangue de Cristo na Cruz instituiu a paz. No sangue de Cristo os judeus e gentios se aproximaram um do outro (Ef 2,16) num gesto firme e determinado de paz.
Essa paz não será efêmera se estivermos unidos pelo laço da fé no prosseguimento das normas que nos são regras de ação, que nos permitem a unificação e a sua disseminação.
Não pode haver reconciliação, se não houver estrita obediência às nossas normas eclesiais; não pode haver reconciliação se não houver fidelidade aos nossos ideais que geram inevitavelmente a confiança e a consecução da amizade entre nós, portanto de nossa Comunhão eclesial, imprescindível para o fortalecimento de nossa ICAB, por conseguinte o fortalecimento de cada um de nós como agentes efetivos da Reconciliação franca, constituída de um firme propósito e assumida na sua integridade.
São Carlos do Brasil em 28 de agosto de 1954, no Rio de Janeiro, nos dá um exemplo magnífico de Reconciliação, quando perseguido e preso no governo de Getúlio Vargas, foi chamado a celebrar a missa de corpo presente do presidente, porque a Católica Romana recusou-se a celebrar, pois se tratava de um suicida. Vejam o gesto de incondicional reconciliação que o nosso Mestre e Guia manifestou. Atitude corajosa, humilde e exemplo para todos os seus filhos icabenses, quando declarou:
“Separado da Igreja romana, à qual servi com toda dedicação de minha alma, como simples sacerdote e como bispo, daqui lanço um apelo, aos meus irmãos de episcopado, para que abram de par em par as portas de suas Catedrais e Majestosos Templos, para que o povo acorra e deposite na ara santa sua prece quente, pela amizade, e fervorosa, pelo seu espírito religioso, em sufrágio da alma do saudoso Presidente, que soube perdoar seus inimigos e sentir não ter feito tudo quanto desejava pelos humildes, deixando à sua família e a Pátria um pedestal firme, onde poderá ser construído o Templo Divino do espírito de Compreensão da Humanidade, sendo, em sua porta, gravadas estas palavras do divino Mestre: “AMAI-VOS UNS AOS OUTROS E NÃO FAÇAIS AO VOSSO PRÓXIMO AQUILO QUE NÃO QUEREIS QUE SE VOS FAÇA”.

Reconcilie-mo-nos, portanto, com Cristo e em Cristo no caminho do carlismo, sempre, sempre e sempre.

Seja louvado N.S. Jesus Cristo!

Para sempre seja louvado!

Pe. Sergio Nunes

Palmas – To, 06/03/2011
BIBLIOGRAFIA
1. Duarte Costa, Carlos, A Luta, Revista nº 20, Rio de Janeiro, 1954.

2. Ratzinger, Joseph, O Sal da Terra, Imago, Rio de Janeiro, 1997.

3. Compêndio do Vaticano II, 7ª edição, Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1973.

4. Bauer, Dicionário de Teologia bíblica, vol. 2, Ed. Loyola, São Paulo, 1973.

5. Ética: Pessoa e Sociedade, Documentos da CNBB, Paulinas, 1993.