domingo, 23 de janeiro de 2011

O MITO DA ESSÊNCIA


Afinal tudo o que sonda o universo plasma-se na e pela mente humana. Desde os primórdios os homens vivenciaram suas emoções mediante a realidade, e o universo passou a ser conhecido pela imagem, cujo ponto irruptível foi o próprio corpo, elemento irreversível da significação numa extensão contínua entre os membros e a natureza. O mito é fantásticamente esclarecedor nessa paisagem e, a mente numa transosmotização perene inflou de paixão o mundo. No seu processo de maturação a mente primigênia emergenciou a razão, tornada pelos doutos, alicerce inabalável da cognição - mera fantasia, esquecendo-se da Imaginação como húmus vivo para a formação do conhecimento. Daí, no fluir de Sócrates, o sistema de pensamento reificou-se no racionalismo, sendo Descartes ilustrativo para o modernismo, até alçarmos a partir das essências, substâncias, homeomerias, mônadas, ponto metafísico, objetos simples, átomos etc..., em equações diversas da matematização operante da mente processante em elementos vários de algorítimos, tanto a bombordo quanto a estibordo.
A verdade sobranceira da exatitude e a verossimilhança escorreita do transeunte. Velhas amarras diletantes que os doutos sobejamente traçaram nas sinuosas linhas do tempo. Mas, e a mente criadora insuperável da realidade e decodificadora irredutível, como foi plasmada? Plasmadora da realidade e consecutora absoluta de si mesma? Deusa perene e absorta que indaga sobremaneira pela tutela intransponível? Se incapazes de decifrar a essência da realidade pela pulverização atômica quântica numa cadeia infinita, aonde chegar, na multiplicidade combinatória da necessidade lógica de artefatos invisíveis?
Assim perde sentido a peremptória sentença da ausência de inteligência no cosmos, tornando-se balela afoita de uma sequência interrompida, porque subiu-se na escada e jogou-se-a fora, louvando-se assim a liturgia irremediável do místico, o anúncio do enigma, a dúvida na síndrome de origem, porque incapazes de respondê-la na sua totalidade limitada, cuja providência rompe o espaço e vira a página.

MARCELO GLEISER
A essência da realidade física

Não há dúvida, a mecânica quântica tem mistérios. Mas é bom lembrar que ela é uma construção da mente humana
VIVEMOS NUM mundo quântico.
Talvez não seja óbvio, mas sob nossa experiência do real -contínua e ordenada- existe uma outra realidade, que obedece a regras bem diferentes. A questão é, então, como conectar as duas, isto é, como começar falando de coisas que sequer são "coisas" -no sentido de que não têm extensão espacial, como uma cadeira ou um carro- e chegar em cadeiras e carros.
Costumo usar a imagem da "praia vista à distância" para ilustrar a transição da realidade quântica até nosso dia a dia: de longe, a praia parece contínua. Mas de perto, vemos sua descontinuidade, a granularidade da areia. A imagem funciona até pegarmos um grão de areia. Não vemos sua essência quântica, porque cada grão é composto de trilhões de bilhões de átomos. Com esses números, um grão é um objeto "comum", ou "clássico".
Portanto, não enxergamos o que ocorre na essência da realidade física. Temos apenas nossos experimentos, e eles nos dão uma imagem incompleta do que ocorre.
A mecânica quântica (MQ) revolve em torno do Princípio de Incerteza (PI). Na prática, o PI impõe uma limitação fundamental no quanto podemos saber sobre as partículas que compõem o mundo. Isso não significa que a MQ é imprecisa; pelo contrário, é a teoria mais precisa que há, explicando resultados de experimentos ao nível atômico e sendo responsável pela tecnologia digital que define a sociedade moderna.
O problema com a MQ não é com o que sabemos sobre ela, mas com o que não sabemos. E, como muitos fenômenos quânticos desafiam nossa intuição, há uma certa tensão entre os físicos a respeito da sua interpretação. A MQ estabelece uma relação entre o observador e o que é observado que não existe no dia a dia. Uma mesa é uma mesa, independentemente de olharmos para ela. No mundo quântico, não podemos afirmar que um elétron existe até que um detector interaja com ele e determine sua energia ou posição.
Como definimos a realidade pelo que existe, a MQ parece determinar que o artefato que detecta é responsável por definir a realidade. E como ele é construído por nós, é a mente humana que determina a realidade.
Vemos aqui duas consequências disso. Primeiro, que a mente passa a ocupar uma posição central na concepção do real. Segundo, como o que medimos vem em termos de informação adquirida, informação passa a ser o arcabouço do que chamamos de realidade. Vários cientistas, sérios e menos sérios, veem aqui uma espécie de teleologia: se existimos num cosmo que foi capaz de gerar a mente humana, talvez o cosmo tenha por objetivo criar essas mentes: em outras palavras, o cosmo vira uma espécie de deus!
Temos que tomar muito cuidado com esse tipo de consideração. Primeiro, porque em praticamente toda a sua existência (13,7 bilhões de anos), não havia qualquer mente no cosmo. E, mesmo sem elas, as coisas progrediram perfeitamente. Segundo, porque a vida, especialmente a inteligente, é rara. Terceiro, porque a informação decorre do uso da razão para decodificar as propriedades da matéria. Atribuir a ela uma existência anterior à matéria, a meu ver, não faz sentido. Não há dúvida de que a MQ tem os seus mistérios.
Mas é bom lembrar que ela é uma construção da mente humana.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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