sábado, 7 de abril de 2012


A PAIXÃO DE CRISTO REVELA-SE NA NOSSA PAIXÃO


”Era já mais ou menos a hora sexta quando houve treva sobre a terra inteira até a hora nona, tendo desaparecido o sol. O véu do santuário rasgou-se ao meio, e Jesus deu um grande grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso expirou”. (Lc. 23, 44-46).

Jesus foi e continua sendo um sinal de contradição para os homens enquanto Filho de Deus, que veio para salvar a humanidade de sua condição de miséria, fruto da natureza decaída, e condição de controvérsia para as paixões humanas: o egoísmo, o poder, a violência, as drogas, o tráfico, os assassinatos, os assaltos, a falta de respeito, as discórdias, as mentiras, a hipocrisia e a corrupção política, são elementos de nossa barbárie regressada.
Essa contradição que nós vivemos no dia a dia em nosso país, em nosso estado, em nossa cidade, com as pessoas que convivemos e com as que desconhecemos, reflete a vida do Cristo que provocou inúmeros conflitos e oposições com as autoridades de seu povo, de tal maneira que só podemos compreender a sua morte quando relacionada ao seu contexto histórico, porque é na história que agimos e formamos a sociedade, é na história que os fatos ocorrem porque os fazemos.
Na sexta-feira Santa, os discípulos e todos os simpatizantes de Jesus ficaram desorientados, e sua morte demonstrou naquele momento que os agentes da religião oficial judaica teriam razão, porque acreditavam que Jesus os libertaria do jugo romano sobre a cidade de Jerusalém e todo o império judaico. Estavam convencidos que o cristo libertaria Israel (Lc, 24,21). Desse modo sua morte não seria o sinal de que ele seria o Messias esperado. Devido aos sinais que ele havia operado durante sua missão entre o povo – os milagres, os ensinamentos, a sua bondade e a sua autoridade - o seu trágico fim foi de uma frustração profunda.
Levando em consideração o fato de que Jesus suscitou efetivamente uma esperança messiânica, essa esperança somente é ultrapassada com a ressurreição definitiva do Cristo. Portanto, a morte de Cristo é um escândalo (1Cor. 1,23; Gl. 5,11) que deve ser explicado e ultrapassado, mas um escândalo necessário no contexto do desígnio salvífico divino. “Espíritos sem inteligência e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc. 24, 25-26).
Neste sentido, a igreja primitiva, compreendendo a recusa de Jesus diante de um messianismo político, sem negar a realidade e o significado de suas esperanças que hoje atualizam-se em nosso meio na busca constante de nossa conversão para assim podermos também como o Cristo superar a nossa condição de crucificado para buscarmos incessantemente a redenção que está no coração de cada um e, esta redenção revela-se em nossas atitudes e no nosso comportamento, porque assim de fato vivenciamos a Palavra do Cristo presente na Escritura Sagrada em vista de um mundo sempre melhor. Assim, através das aparentes incoerências e das rupturas brutais dos acontecimentos que ocorrem em nossas vidas, na nossa sociedade, estas, são passíveis de superação pela fé que assumimos e convencidos nos tornamos, porque o Deus da Nova Aliança conduz a história ao seu fim, que é a Ressurreição.
A partir daí, os primeiros cristãos, assim como nós hoje, relacionamos a Paixão e a Ressurreição de Jesus com o grande desígnio de Deus, para manifestarmos em nossas vidas o significado da sua história.
Mas como traduzir esse escândalo da morte do Cristo segundo o desígnio do Pai. A morte de Cristo depende única e exclusivamente do amor do Pai e do próprio Cristo. A imensa solidariedade de Deus e de Jesus para com os homens. Tudo gira em torno do amor. São João tenta mostrar que Jesus assume a sua vida e a entrega livremente como dom gratuito, para que os homens tenham a vida: “Por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebí de meu Pai” (Jo. 10, 17-19). Esta solidariedade de Jesus vai até ao extremo: “Eu dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10,15 b). Aí está o sentido profundo da morte de Jesus. Ela é assumida livremente e ela é o ápice e a norma de toda solidariedade humana: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15,13). Esta norma de Jesus para com os homens, indica também a norma de nossa conduta: “Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós; e nós também devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1Jo 3,16).
Jesus não se deixou enquadrar por nenhum partido ou seita de sua época. Ele anunciou a mensagem do reino de Deus a todo o povo e não a pequenos grupos fechados como são os partidos políticos, mesmo que sua preferência estivesse voltada para os infortunados e marginalizados, os pobres e excluídos da sociedade, aqueles que mais necessitavam de libertação e, por isso, toma como modelo de salvação o pecador, o cobrador de impostos, a prostituta, o pobre, o enfermo, o estrangeiro e o pagão, ultrapassando assim todos os limites impostos pela sociedade de seu tempo e renunciando desta maneira ao ideal zelota de libertação de Israel que agia em função de uma libertação estritamente política. Esta maneira de agir e todo o seu comportamento, tal como os evangelhos nos retratam, nos indicam que Jesus era e é o portador da mensagem do Reino de Deus, universal e cósmico, pois para todos os homens foi proclamado. E mais do que sua mensagem, esta é sua maneira de agir, com autoridade e liberdade, que causou escândalo e que abriu os conflitos com as autoridades de seu tempo e que acabou conduzindo-o à morte.
 Pela morte de Jesus, Deus realiza a reconciliação com os homens e destrói a barreira que dividia os povos (Ef. 2, 13-16). Do ponto de vista religioso rompeu-se a barreira que dividia o povo escolhido- os hebreus - dos outros povos, porque em Cristo agora somos todos apenas um (Gl 3,28). A humanidade encontra a sua unidade diante de Deus. Assim os homens encontram na reconciliação o apelo à conversão, aceitando a mensagem do Cristo, reconcilia-se com Deus e necessariamente com os homens (2Cr 5,18-21/ Mt 5,24; 6,12; Lc 12,58). Neste sentido a morte de Jesus possibilita uma mudança radical no próprio relacionamento entre os homens, de tal modo que todos, ao menos em direito, tornam-se membros de uma mesma comunidade, constituída por todos aqueles que a morte de Cristo reconciliou com Deus (Ef 5,25-27). E como esta morte de Jesus é a mais alta expressão do amor de Deus para com os homens, que foi selada e aceita por sua gloriosa ressurreição, de tal modo que estar com Cristo é deixar-se conduzir pelo Espírito, para que possamos entrar em íntima comunhão de conhecimento e de amor com Deus.
A conversão como participação na morte e ressurreição de Jesus exige a transformação do próprio homem e também da realidade em que ele vive e participa, através do serviço e do amor, porque o Deus da revelação bíblica é conhecido através da justiça entre os homens.
Esta conversão requer portanto que nós sejamos agentes efetivos de mudança política e social, através do voto consciente nos representantes que de fato tenham um compromisso com a justiça, a honestidade e a integridade; requer o respeito mútuo nas diferenças de raça, sexo, condição social e econômica; requer todo apoio a luta das mulheres pela sua determinação e emancipação; requer a denúncia de toda e qualquer opressão que subjugue o ser humano; requer sobretudo cristãos autênticos que sejam baluartes proféticos para Anunciar através da sua conduta a Palavra de Deus e Denunciar através de suas ações a injustiça que grassa em nosso meio.
A luta de Jesus em favor da justiça e da libertação do homem esclarece muito bem o seu afrontamento com os dirigentes do povo: vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes, juízes, delegados etc..., bem como o próprio povo na busca de sua conversão e com a tradição cultural que oprime e reprime. Parte-se deste confronto em que Jesus manifesta o verdadeiro sentido da libertação que Ele veio anunciar a todos os homens de Boa Vontade.
Assim, pois, carreguemos a nossa cruz no calvário de nossa existência, pois muitas vezes somos entregues ao arbítrio dos furiosos que insultam nossa dignidade, açoitam nossa honestidade, cujo malefício transforma-se na pesada cruz que os ímpios e os infiéis nos infligem gratuitamente, seja por inveja, por ressaibos, por soberba, por vaidade, por antipatias gratuitas e muitas vezes inconsciente, pois nos diz o Senhor: “Aquele que não toma a sua cruz e me segue não é digno de mim”.
Portanto, a glória de Jesus só é corretamente entendida, quando é entendida como glória do crucificado. A nossa glória enquanto convertidos no Cristo e N’ele absorvido só é possível na vivência e superação das nossas provações do dia a dia, por isso a Paixão de Cristo revela-se na nossa Paixão.
Como bem disse São Carlos do Brasil: “Não crucifiquemos novamente o Cristo no lenho do orgulho, do ódio e da intolerância. Pratiquemos de coração, o seu doce preceito: “Amai-vos uns aos outros”. Respeitemos a dignidade da pessoa humana no seu mais sagrado e inviolável direito: o da liberdade de consciência”. (Luta nº 25, 01/1958, p.37).

Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado!

Pe. Sergio Nunes, ICAB

Por ocasião do sermão da hora da Agonia na Sexta-feira Santa na Comunidade de Sto. Expedito no Mangueirão em Belém do Pará.