O CARLISMO REVISITADO II
A Igreja Católica Apostólica
Brasileira (ICAB) pretende-se, de acordo SCB[1]
que “colocou sua vida a serviço do Evangelho, compreendeu os desígnios de Deus
e encarnou a missão que Cristo o confiou, de organizar a Igreja firmada na
Palavra e alicerçada no exemplo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs”[2]
O cristianismo primitivo
constituía-se de comunidades autônomas espalhadas pelo oriente médio e pela Europa,
sua estrutura simples harmonizava-se com a vida despojada de seus membros, eram
pobres e perseguidos em nome do Cristo, mas esta vocação salvífica que nos foi
legada pelo próprio Cristo, da qual somos herdeiros legítimos, prescinde de uma
necessária humildade que não nos permite presumir que somos os únicos herdeiros
do reino. Todos, independentemente de credo são chamados à salvação, como bem
enfatiza SCB:
“Embora voltando ao cristianismo do I séc., não somos daqueles que
pensam, que este cristianismo é a salvação única da humanidade, tal qual
atravessa esses dois mil anos”[3]
Demonstra, essa asserção
carlista, que não devemos fazer acepção de pessoas e que todos, sem exclusão,
devem ser acolhidos ao reino e, nos torna corresponsáveis enquanto cristãos, de
intervirmos na sociedade em face da justiça e da paz, uma vez que o
cristianismo nos interpela constantemente a assumirmos nossa vocação a que
fomos destinados, em vista da denúncia corajosa contra todo tipo de injustiça e
na proclamação constante da Palavra de Deus, que é a ferramenta que modela
nossas atitudes ante a problemática que assola a humanidade, porque provinda de
nossa natureza decaída e barbárica, sempre presente no coração do homem, pois
só assim, vivendo com autenticidade a Palavra, seremos gratificados pelo Pai e
abençoados em nossa missão.
“É erro supor não ser necessário a intervenção do cristianismo na luta
desses múltiplos sociais. É erro porque o cristianismo precisa viver da
plenitude da vida humana. Em todo instante de sua existência, o cristão deve
aspirar, a uma perfeição semelhante a do Pai Celestial: deve desejar alcançar o
reino de Deus”[4]
Daí a grande e inadiável
responsabilidade da ICAB em sua missão evangelizadora, enquanto guardiã do
múnus apostólico carlista, cuja missão deve considerar de forma determinante
sua ética cristã e sua ação evangelizadora, indissociável das dimensões sociais
e políticas, cujo caráter, adere na busca constante da justiça, da paz e da
fraternidade entre todos, pois só assim seremos dignos das promessas de
redenção a que fomos chamados.
Seguir com afinco e determinação
as prerrogativas libertadoras do evangelho, tendo como máxima por princípio, a
lei maior anunciada pelo Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”,
faz do carlismo, o revestimento identificador icabense.
Desse modo, imprimindo em nossa
prática eclesial e pessoal, os signos da Palavra anunciada, abrimos a
possibilidade de renovação e restauração da práxis messiânica que nos foi dada,
a fim de que possamos ser, também, “sal da terra e luz do mundo”, sem
subterfúgios, sem dissimulações, sem dissenções ou qualquer dificuldade que nos
cause desunião entre irmãos. Nossa vocação messiânica carlista nos faz ser o
que somos enquanto icabenses, para sermos realmente o testemunho e exemplo
diante da sociedade, diante dos homens.
“A ICAB procura restaurar o verdadeiro messianismo de Cristo, que é
verdade, luz e essência”[5]
Como nos mover nesse campo
conjugado entre o místico e o prático, entre a crença e a prática, entre a
atitude e a fé? Como filtrar pela inteligência essa cognição que nos permite
compreender e assimilar esta contextualização e nos fazer participantes e
ativos nessa realidade tão diversificada e por vezes antagônica? Como dirimir
nossas dúvidas, nossos conflitos em vista de um discernimento que nos permita
divisar o joio do trigo? SCB nos aponta um caminho, nos conduz a uma direção.
“O objetivo principal da crença é o ser, que é idealizado pelo
entendimento, pela intuição e pela tradição”[6]
Ora, o ser, é o existente e,
neste contexto, o homem, somos o objetivo principal, posto que a crença
volta-se necessariamente ao ser, ao homem, pois por nós o próprio Cristo
imolado numa cruz, nos redimiu; idealizado pelo entendimento que nos permite
apreender as condições pelas quais agimos e sofremos no processo histórico que
realizamos; as vicissitudes da vida nos permite estabelecer determinadas regras
e normas que constituímos enquanto leis, esse ordenamento necessário e útil
dado pela intuição, sem qualquer mediação do juízo em sua origem, forma-se pelo
senso comum, cujo temor diante das adversidades naturais, elevou nosso olhar aos
céus na proclamação de Deus. A providência divina guiou nossas motivações em
vista do bem comum e a história mestra e conselheira cumulou-nos de sabedoria
para criarmos os costumes, os hábitos, as cerimônias, os gestos, a tradição,
fruto de nossa criação pela graça do Altíssimo, mas todas essa práticas
motivadas pela crença tem como objetivo, o ser, isto é, o homem. Portanto, não
poderia ser diferente, que toda a doutrina carlista e sua concepção estejam
voltadas para a plenitude do homem, a sua felicidade, a sua necessidade, a sua
paz e a justiça entre as partes que compõem sua existência.
No entanto, o processo histórico
nos demonstra que o cristianismo em seus vários momentos desvirtuou-se de sua
plataforma essencial a que foi destinado, a começar pela era de Constantino,
depois a Idade Média com o poder temporal, a Idade Moderna com a perseguição ao
avanço do conhecimento científico e na idade contemporânea com os escândalos
morais e financeiros presentes em várias instituições religiosas. Retornar às
origens e renovarmo-nos mediante a fé, é sem dúvida, uma tarefa ingente e
penosa, é a via crucis a que estamos destinados, é a subida ao Gólgota a que
fomos chamados.
“...do cristianismo que se desnaturalizou, pelo fato de ter se tornado
a religião dominante, uma religião de estado...Esse é o cristianismo
falsificando Cristo”[7]
Duras as palavras de SCB e
certamente verdadeiríssimas, com destemida posição profética denuncia o estado
a que a religião romana chegou e acrescentamos, as religiões cristãs,
hodiernamente, muitas, transformaram-se em agências mercenárias da fé,
oferecendo curas e manipulando a fé alheia numa prática de simonia que beira a
estultice humana.
Somente a vivência e a prática da
Palavra de Deus pode nos dar a direção correta, feita com parcimônia, estudo e
investigação científica, para isso devemos ter uma formação consistente e
balizada na constância dos estudos e das informações atualizadas, a teologia e
a filosofia, são elementos cognoscentes imprescindíveis para a formação do
clero icabense, o que nos falta sobremaneira para o reto exercício de nossa
missão eclesial. Aquela deve ser impreterivelmente a nossa mestra e guia, pois
a Palavra nos ensina, nos educa e nos promove.
“O nosso catecismo, isto é, a substância da ICAB, outra coisa não
poderia ser, senão a de todas as religiões: ou seja, a revelação, em sentido
científico, isto é, todo contato da alma humana com o pensamento íntimo que
existe na criação e existe no tempo, porque a origem dela está no verbo, na
própria pedra – o Cristo”[8]
É a Palavra, portanto, que dá condições suficiente para
definirmos nossa autonomia, enquanto igreja independente de Roma, com carisma
próprio e peculiaridade intrínseca, cuja tradição remonta a era do cristianismo
primitivo e expande-se no mundo e para o mundo, exercitando a cidadania e a
prática social, comum a todos os indivíduos.
“Nos primeiros séculos do cristianismo, as Igrejas nacionais, viviam e
desenvolviam-se com [9]autonomia
completa, sem vassalagem do bispo de Roma”
Cabe, portanto, a partir desta
autonomia, um retorno à origem evangélica na sua plenitude ancestral, uma
Igreja sem pretensão ao fausto, à liturgia assoberbada e grandiosa em vista do
performático teatrológico, mas na simplicidade das catacumbas, da ceia frugal e
fraterna, que o próprio Cristo ensejou entre seus apóstolos, somente assim,
poderemos demonstrar a simplicidade de nossa fé e a fortaleza de nossas
convicções, despojados de qualquer artificialismo ostensivo e pieguices cerimoniosas.
“O fim, pois, superior da ICAB é estabelecer o Messianismo e a limpar
das incrustações, a originária centelha divina”[10]
Eis aí, a sagrada missão da ICAB,
anunciar este Messianismo de justiça e de paz, assumindo seu papel profético
ante todas as artimanhas e barbáries que investem contra o homem, em especial,
os mais pobres e indefesos. Esta opção preferencial pelos pobres, é a marca
indelével que o carlismo nos legou e nos convoca insistentemente para assumi-la
em nossa prática e ética evangelizadora e eclesial, sem titubear, confiando na
graça divina e na ação do Paráclito em nossas vidas. A retidão de caráter e a
bem condução de nossa moral, sem cair na rigidez das práticas artificiais,
devem ser cultivadas com simplicidade, dinamismo e vivacidade.
“Separando-me da Igreja romana, a fim de restabelecer a Igreja de
Cristo na sua pureza, corrigindo seus erros, procura centralizar a figura de
Cristo, para que todos os cristãos, tenha seu modelo diante de Deus Pai”[11]
Este é o nosso caráter que nos dignifica
e nos dá sentido existencial, é o nosso modelo que nos faz verdadeiramente
cristãos católicos e icabenses, a que somos convocados insistentemente por
nosso santo fundador, São Carlos do Brasil, a centralizar a figura do Cristo
histórico, messiânico e essencial, para a nossa fé e a nossa eclesialidade na
construção de um catolicismo nacional, profundamente enraizado na cultura e
costumes do povo brasileiro, bem como dos povos de outras culturas, que lhes
são peculiares de acordo com suas tradições e nacionalidades, visando,
sobretudo, a superação daquilo que foi adicionado como supérfluo místico e
doutrinário, seja na disciplina, seja nos dogmas, seja na liturgia. Assim teremos,
uma práxis carlista delineada, definida e, mais do que isso, vivenciada.
Pe. Sergio Nunes, ICAB.
[1]
São Carlos do Brasil
[2]
Excerto do histórico do site da ICAB
[3] A
Luta II, p. 30, 1946
[4]
Ibdem IX, p. 4, 1949
[5] A
Luta XXIII, p. 33, 1956
[6]
Ibdem XVII, p. 4, 1952
[7] A
Luta XXIII, p. 29, 1956
[8]
Ibdem, XXIII, p. 47, 1956
[9]
Manifesto à Nação, 1945
[10] A
Luta, XXIII, p. 47, 1956
[11]
Manifesto à Nação, 1945
Nenhum comentário:
Postar um comentário