segunda-feira, 15 de julho de 2013

O CARLISMO REVISITADO II

A Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB) pretende-se, de acordo SCB[1] que “colocou sua vida a serviço do Evangelho, compreendeu os desígnios de Deus e encarnou a missão que Cristo o confiou, de organizar a Igreja firmada na Palavra e alicerçada no exemplo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs”[2]
O cristianismo primitivo constituía-se de comunidades autônomas espalhadas pelo oriente médio e pela Europa, sua estrutura simples harmonizava-se com a vida despojada de seus membros, eram pobres e perseguidos em nome do Cristo, mas esta vocação salvífica que nos foi legada pelo próprio Cristo, da qual somos herdeiros legítimos, prescinde de uma necessária humildade que não nos permite presumir que somos os únicos herdeiros do reino. Todos, independentemente de credo são chamados à salvação, como bem enfatiza SCB:

“Embora voltando ao cristianismo do I séc., não somos daqueles que pensam, que este cristianismo é a salvação única da humanidade, tal qual atravessa esses dois mil anos”[3]

Demonstra, essa asserção carlista, que não devemos fazer acepção de pessoas e que todos, sem exclusão, devem ser acolhidos ao reino e, nos torna corresponsáveis enquanto cristãos, de intervirmos na sociedade em face da justiça e da paz, uma vez que o cristianismo nos interpela constantemente a assumirmos nossa vocação a que fomos destinados, em vista da denúncia corajosa contra todo tipo de injustiça e na proclamação constante da Palavra de Deus, que é a ferramenta que modela nossas atitudes ante a problemática que assola a humanidade, porque provinda de nossa natureza decaída e barbárica, sempre presente no coração do homem, pois só assim, vivendo com autenticidade a Palavra, seremos gratificados pelo Pai e abençoados em nossa missão.

“É erro supor não ser necessário a intervenção do cristianismo na luta desses múltiplos sociais. É erro porque o cristianismo precisa viver da plenitude da vida humana. Em todo instante de sua existência, o cristão deve aspirar, a uma perfeição semelhante a do Pai Celestial: deve desejar alcançar o reino de Deus”[4]

Daí a grande e inadiável responsabilidade da ICAB em sua missão evangelizadora, enquanto guardiã do múnus apostólico carlista, cuja missão deve considerar de forma determinante sua ética cristã e sua ação evangelizadora, indissociável das dimensões sociais e políticas, cujo caráter, adere na busca constante da justiça, da paz e da fraternidade entre todos, pois só assim seremos dignos das promessas de redenção a que fomos chamados.
Seguir com afinco e determinação as prerrogativas libertadoras do evangelho, tendo como máxima por princípio, a lei maior anunciada pelo Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, faz do carlismo, o revestimento identificador icabense.
Desse modo, imprimindo em nossa prática eclesial e pessoal, os signos da Palavra anunciada, abrimos a possibilidade de renovação e restauração da práxis messiânica que nos foi dada, a fim de que possamos ser, também, “sal da terra e luz do mundo”, sem subterfúgios, sem dissimulações, sem dissenções ou qualquer dificuldade que nos cause desunião entre irmãos. Nossa vocação messiânica carlista nos faz ser o que somos enquanto icabenses, para sermos realmente o testemunho e exemplo diante da sociedade, diante dos homens.

“A ICAB procura restaurar o verdadeiro messianismo de Cristo, que é verdade, luz e essência”[5]

Como nos mover nesse campo conjugado entre o místico e o prático, entre a crença e a prática, entre a atitude e a fé? Como filtrar pela inteligência essa cognição que nos permite compreender e assimilar esta contextualização e nos fazer participantes e ativos nessa realidade tão diversificada e por vezes antagônica? Como dirimir nossas dúvidas, nossos conflitos em vista de um discernimento que nos permita divisar o joio do trigo? SCB nos aponta um caminho, nos conduz a uma direção.

“O objetivo principal da crença é o ser, que é idealizado pelo entendimento, pela intuição e pela tradição”[6]

Ora, o ser, é o existente e, neste contexto, o homem, somos o objetivo principal, posto que a crença volta-se necessariamente ao ser, ao homem, pois por nós o próprio Cristo imolado numa cruz, nos redimiu; idealizado pelo entendimento que nos permite apreender as condições pelas quais agimos e sofremos no processo histórico que realizamos; as vicissitudes da vida nos permite estabelecer determinadas regras e normas que constituímos enquanto leis, esse ordenamento necessário e útil dado pela intuição, sem qualquer mediação do juízo em sua origem, forma-se pelo senso comum, cujo temor diante das adversidades naturais, elevou nosso olhar aos céus na proclamação de Deus. A providência divina guiou nossas motivações em vista do bem comum e a história mestra e conselheira cumulou-nos de sabedoria para criarmos os costumes, os hábitos, as cerimônias, os gestos, a tradição, fruto de nossa criação pela graça do Altíssimo, mas todas essa práticas motivadas pela crença tem como objetivo, o ser, isto é, o homem. Portanto, não poderia ser diferente, que toda a doutrina carlista e sua concepção estejam voltadas para a plenitude do homem, a sua felicidade, a sua necessidade, a sua paz e a justiça entre as partes que compõem sua existência.
No entanto, o processo histórico nos demonstra que o cristianismo em seus vários momentos desvirtuou-se de sua plataforma essencial a que foi destinado, a começar pela era de Constantino, depois a Idade Média com o poder temporal, a Idade Moderna com a perseguição ao avanço do conhecimento científico e na idade contemporânea com os escândalos morais e financeiros presentes em várias instituições religiosas. Retornar às origens e renovarmo-nos mediante a fé, é sem dúvida, uma tarefa ingente e penosa, é a via crucis a que estamos destinados, é a subida ao Gólgota a que fomos chamados.

“...do cristianismo que se desnaturalizou, pelo fato de ter se tornado a religião dominante, uma religião de estado...Esse é o cristianismo falsificando Cristo”[7]

Duras as palavras de SCB e certamente verdadeiríssimas, com destemida posição profética denuncia o estado a que a religião romana chegou e acrescentamos, as religiões cristãs, hodiernamente, muitas, transformaram-se em agências mercenárias da fé, oferecendo curas e manipulando a fé alheia numa prática de simonia que beira a estultice humana.
Somente a vivência e a prática da Palavra de Deus pode nos dar a direção correta, feita com parcimônia, estudo e investigação científica, para isso devemos ter uma formação consistente e balizada na constância dos estudos e das informações atualizadas, a teologia e a filosofia, são elementos cognoscentes imprescindíveis para a formação do clero icabense, o que nos falta sobremaneira para o reto exercício de nossa missão eclesial. Aquela deve ser impreterivelmente a nossa mestra e guia, pois a Palavra nos ensina, nos educa e nos promove.

“O nosso catecismo, isto é, a substância da ICAB, outra coisa não poderia ser, senão a de todas as religiões: ou seja, a revelação, em sentido científico, isto é, todo contato da alma humana com o pensamento íntimo que existe na criação e existe no tempo, porque a origem dela está no verbo, na própria pedra – o Cristo”[8]

É a Palavra,  portanto, que dá condições suficiente para definirmos nossa autonomia, enquanto igreja independente de Roma, com carisma próprio e peculiaridade intrínseca, cuja tradição remonta a era do cristianismo primitivo e expande-se no mundo e para o mundo, exercitando a cidadania e a prática social, comum a todos os indivíduos.

“Nos primeiros séculos do cristianismo, as Igrejas nacionais, viviam e desenvolviam-se com [9]autonomia completa, sem vassalagem do bispo de Roma”

Cabe, portanto, a partir desta autonomia, um retorno à origem evangélica na sua plenitude ancestral, uma Igreja sem pretensão ao fausto, à liturgia assoberbada e grandiosa em vista do performático teatrológico, mas na simplicidade das catacumbas, da ceia frugal e fraterna, que o próprio Cristo ensejou entre seus apóstolos, somente assim, poderemos demonstrar a simplicidade de nossa fé e a fortaleza de nossas convicções, despojados de qualquer artificialismo ostensivo e pieguices cerimoniosas.

“O fim, pois, superior da ICAB é estabelecer o Messianismo e a limpar das incrustações, a originária centelha divina”[10]

Eis aí, a sagrada missão da ICAB, anunciar este Messianismo de justiça e de paz, assumindo seu papel profético ante todas as artimanhas e barbáries que investem contra o homem, em especial, os mais pobres e indefesos. Esta opção preferencial pelos pobres, é a marca indelével que o carlismo nos legou e nos convoca insistentemente para assumi-la em nossa prática e ética evangelizadora e eclesial, sem titubear, confiando na graça divina e na ação do Paráclito em nossas vidas. A retidão de caráter e a bem condução de nossa moral, sem cair na rigidez das práticas artificiais, devem ser cultivadas com simplicidade, dinamismo e vivacidade.

“Separando-me da Igreja romana, a fim de restabelecer a Igreja de Cristo na sua pureza, corrigindo seus erros, procura centralizar a figura de Cristo, para que todos os cristãos, tenha seu modelo diante de Deus Pai”[11]
Este é o nosso caráter que nos dignifica e nos dá sentido existencial, é o nosso modelo que nos faz verdadeiramente cristãos católicos e icabenses, a que somos convocados insistentemente por nosso santo fundador, São Carlos do Brasil, a centralizar a figura do Cristo histórico, messiânico e essencial, para a nossa fé e a nossa eclesialidade na construção de um catolicismo nacional, profundamente enraizado na cultura e costumes do povo brasileiro, bem como dos povos de outras culturas, que lhes são peculiares de acordo com suas tradições e nacionalidades, visando, sobretudo, a superação daquilo que foi adicionado como supérfluo místico e doutrinário, seja na disciplina, seja nos dogmas, seja na liturgia. Assim teremos, uma práxis carlista delineada, definida e, mais do que isso, vivenciada.

Pe. Sergio Nunes, ICAB.




[1] São Carlos do Brasil
[2] Excerto do histórico do site da ICAB
[3] A Luta II, p. 30, 1946
[4] Ibdem IX, p. 4, 1949
[5] A Luta XXIII, p. 33, 1956
[6] Ibdem  XVII, p. 4, 1952
[7] A Luta  XXIII, p. 29, 1956
[8] Ibdem, XXIII, p. 47, 1956
[9] Manifesto à Nação, 1945
[10] A Luta, XXIII, p. 47, 1956
[11] Manifesto à Nação, 1945

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