segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

QU'EST-CE QUE C'EST

Crônica interessante, esta apresentada pelo amigo manauense Lúcio Menezes, aonde transita o professor, a aula, o aluno, a questão e a resposta, que retorna na transversalidade da indignação irriquieta daqueles que são irremediavelmente cidadãos do mundo e, por isso, pensam e refletem de forma saborosa num contexto articulado entre passagens, lembranças e atualidades. Feito da escrita artesanal que os fiandeiros de palavras são capazes de urdir na tecitura ausente da folha, dando vivacidade e comoção, imprimindo indelevelmente seu registro digital. Uma viagem serena por linhas sinuosas que vibram entre si num acorde riquíssimo em diferentes e variadas notas. Vale a pena conferir.

Qu'est-ce que c'est
Tinha eu trinta anos de idade naquele ano de mil novecentos e oitenta e seis. Supondo que ainda pudesse aprender o idioma francês matriculei-me na Aliança Francesa. O professeur era um moço que devia ter no máximo vinte e dois anos de idade, cinco deles vividos na França.
A metodologia de ensino adotada era a de falar o mínimo em português, ainda que estivéssemos estudando o francês elementar.
Certa vez um dos colegas de sala, possivelmente com mais dificuldades que os demais, perguntou misturando francês e português: Professeur, s'il vous plaît (professor, por favor), qual o significado de Qu'est-ce que c'est?
O professeur com a irreverência dos jovens exemplificou, em português, da seguinte forma: “Eu estou dando aula pra vocês e me ausento da sala de aula para beber água, quando volto todos vocês estão nus (????). Minha reação óbvia será perguntar: Qu'est-ce que c'est?”.
A tradução literal é: O que é isso? Essa bizarrice daria uma crônica ao melhor estilo Simão Pessoa, mas não é o caso.
Qu'est-ce que c'est? Vai para todos os fatos que enojaram, chocaram, machucaram, decepcionaram, subtraíram ou nos entristeceram neste ano que se finda. Qu'est-ce que c'est? Vai, portanto, para o desastre ecológico no Golfo do México, para o terremoto que arrasou o Haiti e a epidemia de cólera que lá ceifou inúmeras vidas; para o mensalão do DEM de Brasília, para a Erenice Guerra, para a enchente que vitimou e desabrigou brasileiros de Pernambuco e Alagoas, para a possível volta da CPMF, para a prematura desclassificação da Seleção brasileira no mundial da África do Sul, para o Bruno, ex-goleiro do Flamengo, para as enchentes no Paquistão, Índia e China, para as queimadas no Brasil, Portugal e Rússia, para o tsunami e a erupção vulcânica que desgraçaram a Indonésia, para a não reeleição do Arthur Neto, para a eleição do Tiririca e outras tantas tragédias.
Caríssimos, que dezembro do próximo ano a história registre a redução substancial das catástrofes naturais, da emissão de gases poluentes, que finalmente o homem pense a água como bem finito, que semeie a paz, que cuide da natureza sem extremismos, que não se envergonhe de ser honesto e entenda, de uma vez por todas, que a atos perpetrados serão fatos consumados eternizados pela história. Desejo, por último, que ao fim e ao cabo de 2011, quando ou se alguém me perguntar: Qu'est-ce que c'est? Eu possa responder com a pureza das crianças contidas nos versos musicais do saudoso Gonzaguinha: c'est la vie et elle est belle et elle est belle... (É a vida e é bonita e é bonita...)
Lúcio Bezerra de Menezes
20/12/2010

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